De todas as alterações e inovações presentes no novo PCMSO, que deve entrar em vigor no dia 02 de agosto de 2021, o relatório analítico foi uma das mais comentadas.
Antes de analisarmos especificamente os itens requeridos pelo relatório analítico, precisamos entender seu objetivo dentro do novo contexto normativo, especialmente sua relação com o novo texto da NR1 destinado ao gerenciamento de riscos ocupacionais. A nova NR1 traz nos subitens do item 1.5 a estrutura necessária para a realização da avaliação e controle de todos os riscos ocupacionais. A avaliação se concretiza através da constituição de um inventário de riscos ocupacionais e de uma estrutura de classificação desses riscos, já o controle dos riscos ocupacionais deve ser colocado em prática através de planos de ação.
Decorrente da estruturação dada para o gerenciamento dos riscos ocupacionais da NR1, fica claro a falta de uma estrutura de controle, que responderia, por exemplo, a seguinte pergunta: como é possível saber que o gerenciamento de riscos implantado é efetivo e correto? Exatamente aí que entra a nova NR7 e o seu relatório analítico.
Com uma estrutura de gerenciamento de risco competentemente implementada, objetiva-se que os trabalhadores não adoeçam e não se acidentem e a coleta desses dados estão sob o domínio do PCMSO. Então, é correto pensar que o relatório analítico foi idealizado para realizar o controle da efetividade do programa de gerenciamento de risco implementado pelas organizações. Em outras palavras, caberá a área de saúde ocupacional, através dos dados contidos no relatório analítico, informar a organização se o processo de gerenciamento de riscos está sendo bom o suficiente para prevenir os trabalhadores de adoecerem ou sofrerem acidentes. Trata-se de uma grande oportunidade de protagonismo para o médico do trabalho que faz a gestão de saúde dos trabalhadores que assiste.
Com esta breve introdução e contextualização do relatório analítico dentro do novo arcabouço normativo, vamos para a análise item a item de sua estrutura.
Vejamos o que diz o item 7.6.2 da nova NR7:
7.6.2 O médico responsável pelo PCMSO deve elaborar relatório analítico do Programa, anualmente, considerando a data do último relatório, contendo, no mínimo:
a) o número de exames clínicos realizados;
b) o número e tipos de exames complementares realizados;
c) estatística de resultados anormais dos exames complementares, categorizados por tipo do exame e por unidade operacional, setor ou função;
d) incidência e prevalência de doenças relacionadas ao trabalho, categorizadas por unidade operacional, setor ou função;
e) informações sobre o número, tipo de eventos e doenças informadas nas CAT, emitidas pela organização, referentes a seus empregados;
f) análise comparativa em relação ao relatório anterior e discussão sobre as variações nos resultados.
As alíneas “a”, “b” e “c” realmente não trazem nenhuma novidade em relação ao relatório anual já praticado na NR7 vigente até o momento. As alíneas “a” e “b” trazem dados absolutos, que são extremamente necessários para o planejamento do próprio serviço de saúde. Por exemplo, se a empresa que estamos trabalhando realiza mais exames ocupacionais (dados da alínea “a”) que a capacidade de um médico do trabalho atender adequadamente, está na hora de contratar outro profissional. Outro exemplo seria, se o fornecedor de exames complementares possui uma capacidade limitada de realização de procedimentos, um novo fornecedor deve ser adicionado no caso dos trabalhadores estarem realizando mais exames complementares (dados da alínea “b”) que o atual fornecedor é capaz de entregar. Por fim, a alínea “c” traz as informações dos exames complementares alterados, mas sem dizer se estas alterações são decorrentes de doenças ocupacionais, se estas doenças são novas ou crônicas, se são prévias a contratação e outras informações relevantes para o controle das patologias ocupacionais.
As novidades começam na alínea “d” com a obrigatoriedade do fornecimento da incidência e da prevalência das doenças relacionadas ao trabalho. A incidência irá nos informar quantos casos novos de uma determinada doença foram aferidos no período de um ano e além dessa informação valiosa, a taxa da incidência também nos diz que se não houver nenhuma mudança no meio ambiente de trabalho, o mesmo número de trabalhadores irá sair de uma situação de ausência de doença para doente, ou seja, com a incidência é possível se ter uma ideia do que irá acontecer se recursos não forem investidos para a melhora das condições de trabalho. Já a prevalência trará os dados absolutos dos trabalhadores doentes dentro de uma organização, irá ajudar na projeção de tratamento de saúde, por exemplo. Extrapolando o campo da medicina do trabalho e ampliando o horizonte organizacional da saúde, esses dados também podem auxiliar na projeção do risco jurídico e na interface com a saúde complementar fornecida pela organização.
Na alínea “e” o médico do trabalho deverá informar os dados referentes as doenças ocupacionais que foram comunicadas aos órgãos responsáveis através da comunicação de acidente de trabalho (CAT). A importância dessa informação é garantir que os números de doenças ocupacionais notificadas sejam exatamente o número de doenças ocupacionais presentes na incidência das doenças e que a soma ao longo dos anos seja compatível com a prevalência das patologias. Este também é um dado importante por dizer em números absolutos quantos trabalhadores estão ou ficaram doentes dentro da organização.
Seguindo, a alínea “f” que trata da parte analítica do novo relatório é isoladamente uma das alíneas mais importantes de toda a norma. Decorrente dela, o médico do trabalho responsável pelo PCMSO deverá comparar os resultados em estudo e dizer em quais pontos houve piora ou melhora. No caso de ocorrência de piora dos indicadores de saúde, estes se devem a um processo incapaz de gerenciamento e controle dos riscos ocupacionais aos quais os trabalhadores estavam expostos e, por isso, comentamos no início do texto que o relatório analítico é o ponto de fechamento do ciclo de melhoria das condições de trabalho ao medir a eficácia das ações de controle do risco.
Um ponto que não está na norma, mas que é importante de ser destacado, especialmente pela alta interação da saúde ocupacional com outros setores da empresa, é a questão do sigilo médico. O relatório analítico deve ser elaborado levando em consideração este ponto tão importante e as informações devem ser transmitidas sempre de um modo estatístico e que impeça o reconhecimento de um trabalho de forma específica.
Por fim, gostaria de ressaltar a maior relevância para o médico do trabalho e para a área de saúde ocupacional que o novo texto da NR7 trouxe. O momento de transição normativa será também um momento de oportunidade para que o médico do trabalho assuma um papel de protagonista das ações de saúde e segurança no trabalho dentro das empresas.
Referência:
NR1 – https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-01-atualizada-2020.pdf
NR7 – https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-07-atualizada-2020.pdf